NO ZOOLÓGICO

"Sarinha, Sarinha!...

Uma arara sexagenária zombou de mim.

Ela grasnou ao me ver correndo assim:

idoso, desajeitado, cansado, desalado e

ainda tentando alcançar sua coelhinha!"...

Mesmo animais sem asas desenhadas,

enjaulados, sei que também zombaram:

quando urraram, uivaram e miaram;

quando zurraram, mugiram e assobiaram.

Todos presos na mesma "penitenciária",

quem sabe,

pranteando o refrão triste de uma canção:

"Queremos voltar a correr à vontade nas

florestas como seres não domesticados".

Viu aquele gato malhado, enorme,

quieto, deitado, fingindo que dorme?

Quando passei, torto e já cansado

- salvo se estive enganado -,

ele se ergueu e, no meu nariz, bufou

todo o seu maucheiroso mau humor.

Aí, deu um miado tão ensurdecedor

que me deixou na verdade assustado.

Passado o susto é que pude entender

o que aquele vigoroso tigre quis dizer:

"Tá me dando saudade, senhor, do tempo

em que eu corria na floresta com meu avô".

Cansei, parei e, quando olhei adiante,

você ainda corria e já estava bem distante.

Então, dessa vez, fui eu mesmo que urrei:

- "Volta, Sarinha, volta!!... Já me cansei!!...

Deixe correr em liberdade sua coelhinha!!...

Você parou de supetão, quando viu à

sua frente, reinando sozinho em sua jaula,

um leão faminto, mas poderoso e vaidoso.

Aproveitei para mostrar, nesse momento,

o quanto ele é ágil na busca de alimento,

e até mais forte que os demais irracionais.

Por isso, o consagramos Rei dos Animais.

Pra você aprender mais sobre irracionais,

veja como nossas condutas são desiguais:

- Animais interagem entre si, se prezam,

se lembram de quase tudo, se esquecem,

se agrupam, se extranham, se encorujam,

se reanimam, se aclimam, se alimentam,

se amam, se reproduzem e amamentam.

Pena!

Se não têm a razão, podem nem ter alma,

mas com garras, marradas e coices brutais

fazem divinais suas defesas instintivas:

"Se só os seres que têm alma se amam,

imagine os que em vez de amar se armam,

prendem, torturam, matam e até se matam!

Inumanos, que induzem à morte e louvam

torturadores, nunca poderão igualar-se aos

animais citados, caçados ou caçadores.

Melhor que eles se chamem

de endemoniados predadores ".

- Diferentemente dos irracionais,

nós sabemos preparar nossos armamentos:

ligamos com fuzil o forno que coze alimentos;

fazemos guerras como rentável divertimento;

com cães de caça, caçamos outros animais

e os matamos para lucrar cada vez mais,

com seu couro, carnes e ossadas fraturadas.

Nada sobra de seus frutíferos restos mortais.

Ainda fazemos, além de armas sofisticadas,

confortáveis jaulinhas e ciladas interessantes;

tranquilas guerrilhas e amenas emboscadas;

alçapões silenciosos e armadilhas elegantes.

Segundo a Elis e a Rita Lee cantaram:

"Somos como nossos pais"... 

Mas parece que eles nunca lembraram

de que nasceram racionais!...

Vamos, Sarinha!

A tarde está acabando e é hora de a gente ir.

Ao contrário dos animais que não vieram até nós,

ainda gozamos nossa liberdade de ir e vir,

mas, espere!...

Aquele macaco me ouviu e parece rir de mim.

De nossa conversa, ele entendeu o assunto

e acho que está a dizer:

"Somos iguais, somos todos iguais,

e os iguais facilmente se juntam"

- "Mas, vô, ele quer dizer que somos iguais a ele?"-

- "Ora, Sarinha, se temos dúvida, podemos descobrir!!...

Na verdade, o macaco, que continua rindo de mim,

nos incita a procurar,

nalguma estante, nalgum lugar,

nalguma biblioteca, nalgum instante,

o livro

"A origem das espécies"

e ler nele pelo menos algumas linhas

do que o seu cuidador achou mais fácil.

É possível que os irracionais

façam parte apenas do seu prefácio

e nós, animais naturalmente evoluídos,

estejamos lá inseridos do começo ao fim.

Acredite:

podemos sofrer mudanças no mais adiante,

e essas transformações de toda uma vida

vêm devidamente comprovadas e inseridas

na obra mais importante de Charles Darwin.

Vamos, Sarinha, antes que o tempo passe!

www.fernandoafreire.net

_____________________________________